terça-feira, 14 de outubro de 2008

FOI DE ARISTIDES DE SOUSA MENDES QUE A NOITE FOI FEITA!!!










A noite começou um pouco mais cedo que o habitual; a oradora principal, estava debilitada com uma constipação, e desejava chegar cedo a Lisboa, cidade onde vive desde sempre. Maria Barroso, actriz de formação que, por ser casada com Mario Soares, teve que abraçar a política por consequência, veio representar a Fundação Aristides de Sousa Mendes, na qualidade de Presidente, porque seria de Aristides de Sousa Mendes (ASM) que a noite iria ser feita.

Os dois netos de ASM ainda não tinham chegado á Cabana dos Parodiantes, pois tinham-se comprometido a vir tomar um café e um barrete connosco. Mesmo assim, deu-se início á tertúlia, com apenas 16 pessoas. Não era para menos, faltava meia hora para as 22 horas e os habitués das conversas da Cabana veêm á própria da hora.

A antiga primeira dama de Portugal, falando de pé e rejeitando o microfone, iniciou a sua prelecção, fazendo uma descrição do que foi o calvário dos judeus alemães, desde que Adolf Hitler subiu, á força, ao poder do Reichstag. Milhares de refugiados judeus fugiram para essa Europa fora, saltando fronteiras germânicas, mas a maioria haveria de morrer em campos de concentração, em condições tão mórbidas que, ainda hoje, nos é difícil conceber tal horror.

Foi debaixo dos ecos desse horror que três dezenas de milhar de judeus pediram auxílio ao cônsul de Portugal em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, afim de que este lhes concedesse vistos para entrarem em Portugal e aí escaparem a morte certa. Contou a oradora, que o cônsul teve a percepção exacta, antes de decidir carimbar os vistos, que iria perder tudo o que tinha construido até então. Sabia que iria ser despedido e perseguido até á sua morte. Terá reunido mesmo com a familia e comunicado com pesar que, depois daquele acto, nada seria igual e, possivelmente, teriam tambêm eles que fugirem e se refugiarem noutros países. Mesmo assim, o seu enorme coração humanista não conseguiu resistir ao drama daquela gente e desobedeceu a Salazar. Durante três dias e duas noites, Aristides e dois dos seus filhos, passaram vistos a uma multidão que não arredou pé durante vários dias, acampando dentro do consulado e nos jardins, assim como nas ruas próximas. Não satisfeito, ASM terá se deslocado a Bayonne e Hendaye, e carimbado mais uns milhares de vistos, perante a passividade dos funcionários dos respectivos consulados em França. Maria Barroso, aproveitou a deixa e pintou-nos o retrato de um Portugal cinzento e sinistro, país esse que ela viveu e que tambêm ela comeu o pão que o diabo amassou, assistindo á perseguição política do regime ditadorial ao seu marido, Mário Soares.

Já com uma hora de duração e com algumas questões postas pelos convivas, sentia-se que pouco mais haveria a dizer sobre o tema. Faltava o testemunho de alguém que tivesse vivido aqueles acontecimentos, experiênciado bem de perto as consequências de tal acto desobediente numa sociedade vigiada bem de perto pela ditadura do Estado Novo. Eis que a porta automática abre e surgem dois vultos bem vestidos, de recorte clássico, aparentando estarem perto dos sesenta anos. Fizeram um compasso de espera e logo Maria Barroso esboçou um sorriso : "São os netos de Aristides...! Mais vale tarde do que nunca e " o combate foi salvo pelo gongue! ". Feitas as apresentações de António de Sousa Mendes e Álvaro de Sousa Mendes, esperava-se agora os verdadeiros testemunhos.

Alguém perguntou, como foi crescer e viver toda a vida com o apelido de Sousa Mendes. Álvaro logo respondeu que tem sido um motivo de orgulho indescritível e simultâneamente uma mágoa constante por toda a revolta que o seu pai sentiu e por ainda hoje não ter sido feita a justiça devida à memória do seu avô. António sempre se habituou á ideia de que esse assunto em casa de sua mãe, irmã de ASM, ser algo interdito, votado ao silêncio.

Sobre o verdadeiro paradeiro dos restos mortais do corajoso cônsul, uma senhora presente, afiançou quase ter a certeza que se encontram em França, perto de Paris, teoria essa que foi negada ainda por Maria Barroso, no decorrer da primeira parte da conversa, e duplamente posta de parte, já no fim, pelos descendentes de ASM.

Em relação á polémica lançada pelo historiador, antigo ministro da Educação de Marcelo Caetano, José Hermano Saraiva, no concurso dos Dez Mais Portugueses, os ânimos esquentaram um pouco. António de Sousa Mendes disse achar completamente ridículo a teoria do historiador de que o verdadeiro obreiro da vinda dos 30 mil judeus para Portugal ter sido os Caminhos de Ferro de Portugal, quando esta companhia se limitou a transportar os refugiados que pagaram os seus bilhetes. Coube á Policia de vigilância e defesa do Estado - PVDE, proceder ao controlo na fronteira de Portugal com Espanha, dos passageiros e em colaboração com os aliados, colocá-los em diversos pontos do país, em segurança. Tratou-se, segundo António, de uma manobra desesperada para desacreditar a opinião pública do valor de ASM. Álvaro concretizou, que ninguém na familia quis tirar, nunca, proveitos ou louros, da proeza do seu avô, nem irão precisar de se justificar, pois a história impõe-se na História e a verdade virá ao de cima, naturalmente. A prova disso mesmo, está, segundo António de Sousa Mendes, na criação do Museu de António de Sousa Mendes, em Cabanas de viriato, antiga residência da familia Sousa Mendes.

Silvestre Pedrosa, moderador desta " Conversas da Cabana ", representante da Casa da Europa do Ribatejo ( colaboradora desta tertúlia ), deu por terminada mais uma noite sem televisão, com cerca de cinquenta tertulianos ávidos de conhecimento e espírito de partilha.

A Cabana dos parodiantes, proporcionou de uma forma simples, que se fizesse justiça a Aristides de Sousa mendes.



O mundo era mais justo se houvesse um Aristides em cada esquina.



Agradecimentos á Escola Profissional de Salvaterra de Magos, pelo empréstimo do material multimédia.

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